Foi assim que Joaquim caiu de paraquedas em Cidade Grande. De início tudo parecia maravilhoso! Não tinha de capinar, de buscar água, de escovar cavalo e nem de cozinhar! Na primeira visita que fez à fazenda depois da mudança, a família ficou boba com o que ouviu. Mas logo Joaquim percebeu que tinha de estudar muito mais ali na universidade que na sua antiga escola, e que o tempo que antes gastava fazendo as tarefas da fazenda, agora era todo exclusivo para os estudos. Não tardou para que começasse a sentir saudades da fazenda, de não fazer uma única coisa da vida, das árvores, da grama. Começou a odiar o concreto da cidade, os cubos e paralelepípedos retângulos das casas, salas de aula, prédios, ônibus, até das ruas! Mas ele não tinha tempo pra pensar sobre isso, pois tinha que estudar. Acabou se acostumando e se conformando em ir pra fazenda só nos feriados, e a pisar no concreto e se enclausurar nos cubos e paralelepípedos, nas "caixas", e até levava um teto consigo, para quando estivesse nas ruas (as únicas caixas sem teto) se proteger daquilo que na fazenda não era inimigo, mas benção: a chuva e o sol.
Joaquim cresceu, formou, casou, arrumou uma caixa em Cidade Grande num bairro muito bom, começou a trabalhar numa coisa só, onde ficava o dia inteiro clicando botõezinhos numa caixa grande e branca. Era "bem-sucedido", consumia, se amava muito e à sua família um pouco, mas a mais ninguém. Todo início de ano escrevia metas a cumprir naquele ano, e inicialmente concretizava várias delas; mas depois passou a "concretizar" todas, de modo que ficavam duras e grudavam como concreto, e acabavam na lista todos os anos. Seu pai morreu, e Joaquim herdou a fazenda, que vendeu para uma empresa construir uma represa e alagar tudo. Desse modo afogou sua verde infância e "concretizou" sua vida.
Um dia recebeu um telefonema de sua irmã, que morava num sítio com o marido, chamando-o para conhecer seu sobrinho recém-nascido. A visão do sítio e dos filhos das amigas de sua irmã brincando o levou a tirar os sapatos e pisar na grama. Mas em seguida retornou à Cidade Grande, e se reenclausurou em suas caixas, de onde não saiu mais. Teve filhos, que tiveram filhos, mas Joaquim não deixou mais a cidade. Gastava muito dinheiro com médicos, fisioterapeutas e até psicólogos para os filhos. Tinha vários carros, e estava sempre com pressa, mesmo depois de aposentar. À essa altura já tinha "concretizado" o cérebro e esquecido o que era pensar.
Mas o que quero dizer com concretizar? Acontece que, no meio de tanto concreto, Joaquim começou a se "concretizar". Foi envelhecendo e "concretizando", de modo que quando tinha 60 anos já dependia de uma bengala para andar, e aos 70 usava cadeira de rodas. Até que, por fim, quando todo seu corpo já havia se "concretizado", o coração dele também se concretizou em concreto e parou de bater. Joaquim, com 74 anos, morreu; sendo colocado numa caixa, foi enterrado sob o concreto da civilização que o escravizou. A última vez que colocou os pés na grama foi 36 anos antes de sua morte, quando visitou seu sobrinho recém-nascido.