terça-feira, 9 de outubro de 2012

C.P.: O Rato

      Era uma vez um buraquinho numa parede. Essa parede era de uma cozinha. Essa cozinha era dos Hatley. Esse buraquinho era de um rato. Esse rato era conhecido por C.P.. Alguns diziam que esse era seu nome, outros que era um apelido conferido por "c" e "p" serem a primeira e a última letra de "chip", que lembrava tanto o barulho que C.P. fazia como lembrava de "batatas chips". Há ainda quem diga que "C.P." é uma sigla para "couch potato", uma expressão norte americana que designa alguém que vive comendo batatas chips num sofá em frente à T.V.. C.P. se encaixava, sem sombra de dúvida, nessa definição. Acontece que, na verdade, C.P. era uma sigla para Christopher Potter, o nome daquele rato. Mas ninguém sabia disso.
      Você deve estar pensando onde C.P. arrumava batatas chips. Acontece que a dispensa dos Hatley era cheia de pacotes de batatas chips, e toda casa onde a dispensa é rica nesse peculiar alimento, curiosamente o chão também o é. Assim C.P. sempre catava suas batatas no chão da cozinha, e só saía de seu buraquinho na parede pra isso. Seu "buraquinho" na verdade era uma verdadeira casa. Por fora mal se notava, mas por dentro era grande e espaçoso. Seus avós trabalharam muito na escavação daquela casa. Os pais de C.P. haviam colocado uma foto de seus avós na parede da sala. Logo ao lado, num outro quadro, C.P. colocara a foto de seus pais. Seus pais haviam trabalhado muito na mobília da casa. Mas C.P., do trabalho dos seus pais, só usava o sofá.
      Você deve estar pensando como um rato tem uma casa com sofá, cama, banheiro e até televisão. Acontece que os seres humanos tem mania de achar que os animais são burros e irracionais, mas se enganam completamente. Os pais de C.P. haviam utilizado coisas do lixo para fazer os móveis, usando latas de sardinha vazias e algodão para fazer camas e sofás, e às vezes conseguiam guardanapos limpos para usar como cobertores. Os avós de C.P. haviam feito um sistema muito inteligente de banheiro, usando canos de PVC, de modo que todo excremento era canalizado e jogado no quintal (pois a parede da cozinha dos Hatley era a parede que dava para o quintal da casa). A televisão era, entretanto, o mais esperto dos itens da casa de C.P.. Seu tio, um rato muito inteligente, ainda jovem descobrira a sala de T.V. dos Hatley e se apaixonara pelo televisor. Passou anos estudando a T.V., entrava nela e a analisava. Assim, construiu uma menor. Para isso porém, tivera de usar várias peças da dos Hatley, e a estragou, além de ter sido visto na sala algumas vezes pelos humanos. Isso gerou a Primeira Batalha entre os Hatley e os Ratos.
      Você deve estar pensando: "agora os ratos também fizeram metralhadoras e sabres de luz para lutar contra os humanos!" Não foi bem assim a batalha. Foi mais uma chacina e um genocídio que uma batalha, pois sete famílias de ratos foram aniquiladas, e o único sobrevivente dos ratos, no fim das contas, foi C.P., ainda um pré-adolescente. Ele viu seu tio cair numa ratoeira, além de muitos outros ratos da cozinha e da sala de jantar; viu seus pais morrerem a vassouradas; viu um humano atirando uma fumaça verde na porta* da casa dos ratos da outra parede da cozinha. Muitos dias se passaram até que acabasse o estoque de comida de C.P. e ele saísse de casa para buscar mais. Acabou se acostumando a viver sozinho, com sua televisão e suas batatas chips. Dizia que se caçasse de inventar coisas estranhas ia acabar morrendo como seus avós, seus pais e seu tio (seus avós haviam morrido numa de suas escavações).
      Foi assim que C.P. nunca fez nada da vida além de catar comida, comer, dormir e ver T.V.. Quando morreu, ninguém sentiu falta dele, só a faxineira dos Hatley que estranhou o aumento de migalhas de batatas chips no chão da cozinha.

Moral: Não faça de sua vida só catar migalhas. Marque o mundo. Faça a diferença. Aja. Afinal, de que vale ter uma vida mas não gastá-la**?

Texto escrito nos dias 18/03/12 (5:52 PM - ?) e 13/06/12 (10:40 AM - ?).

*Vulgo, buraquinho.
** No texto original: "gastá-la/usá-la?"

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